Tenho depressão crónica1.
E há certas alturas do ano em que vou sempre, independentemente das circunstâncias, ficar pior.
Quando fico pior não é tristeza que sinto. Sinto apatia, ausência de movimento ou acção. Significa que a viagem da cama para a casa de banho se torna uma maratona. São dias em que o meu corpo e a minha cabeça me dizem que não vou conseguir, ou melhor, que nunca vou conseguir. A depressão é aquela voz que desenterra todas as inseguranças e dúvidas e faz delas altifalante, colocando-as no centro do meu ser, mentindo-me em todos os minutos.
Nestas fases uso uma playlist chamada “os meus suicidas”.
Pode parecer contraditório que recorra a estas canções quando estou mais em baixo, mas para mim é precisamente o contrário.

Eles, tal como eu, conhecem este lugar para onde vamos quando a sombra nos puxa. Mostram-me no mapa os caminhos já trilhados e aqueles que estão iluminados. Há caminhos de beleza extrema, como só as coisas frágeis e delicadas nos podem proporcionar. Há outros em que eles me dão a mão quando o poço parece não ter fim.
Mais do que tudo somos compagnons de route.
Na preparação deste texto, fui ler novamente a biografia de quatro deles: David Berman (Silver Jews e Purple Mountains), Richard Swift (fez parte de projetos com os The Black Keys e foi um produtor prolífero), Elliot Smith e Nick Drake. Há elementos comuns em todos (infâncias que não o foram, sentimentos de isolamento, auto-sabotagem, procura do refúgio nas drogas, etc), mas a depressão não se explica por a mais b. É por isso que - sendo invisível para todos menos os que por ela passam - é tão difícil de compreender para quem está de fora.
Para mim, são espelhos. Está aqui alguém que me vê:
Elliott Smith, com a sua voz sussurrada, canta “Everything means nothing to me” como se estivesse a embalar o vazio. David Berman, seco e lírico, repete “All my happiness is gone” acompanhado duma melodia alegre. Richard Swift diz com humor negro em camadas sonoras ornamentadas à la Burt Bacharach: “I’d be a better man if I quit drinking… but who are we kidding?”
Nestas alturas, sinto-me muito como o Elliot Smith se deve ter sentido, em 1998 nos Óscares quando cantou com uma guitarra e um fato branco a Miss Misery. Ele e eu, despidos no meio de milhões que o ouviram e se sentiram menos sozinhos.
To vanish into oblivion
It's easy to do
And I try to be, but you know me
I come back when you want me to
Do you miss me, Miss Misery
Like you say you do?
Há algo profundamente humano em transformar o caos interno numa canção que cala o nosso desepero ensurdecedor.
Eles dão-me esperança. A esperança que vem de saber que alguém, algures, sentiu o que eu sinto agora - e teve a coragem de o mostrar de forma bela e honesta.
Há dias em que tudo o que consigo fazer é ouvi-los, no escuro. E então lembro-me também deste poema da Andrea Gibson que partiu esta semana.
“Name your hopelessness / a quiet hollow, a place you go / to heal, a den you dug, / Sweetheart, instead / of a grave.”
E ouço o Nick Drake sussurrar “Please give me a second grace” e percebo que é isso que estas canções são: tocas, cavernas, sítios onde posso hibernar até que regresse a luz.
Gosto mais do verbo “ter” do que “sofrer”
Cavernas vivas de sombras bonitas e assustadoras
é isto, é. obrigado.